Vereador propõe projeto para impedir o atendimento a bonecas reborn — e expõe o abismo entre a política real e a busca por engajamento nas redes
PORTO VELHO (RO) – Num cenário onde faltam médicos nas unidades básicas, remédios nos postos de saúde e estrutura nas escolas públicas, o vereador Dr. Breno Mendes (Avante) — que se autointitula “Fiscal do Povo” — decidiu que uma de suas prioridades em 2025 seria… proibir o uso de dinheiro público para atender bonecas “reborn”. Isso mesmo. Um projeto de lei protocolado na Câmara Municipal de Porto Velho propõe sanções a servidores e cidadãos que utilizarem qualquer serviço público municipal — de saúde, assistência ou psicológico — para atender objetos inanimados.
Segundo o vereador, “parece brincadeira, mas tivemos que propor essa lei porque os índices de denúncias são alarmantes”. Ele afirma que há pessoas “furando fila com boneco reborn na mão” e até buscando tratamento para o brinquedo no SUS. Mas até agora, nenhuma dessas “denúncias alarmantes” foi acompanhada de evidências, registros oficiais ou ao menos uma notícia em veículo sério. Tudo se baseia em vídeos, rumores de internet e supostos relatos recebidos no gabinete.
O problema é que esse tipo de proposta não surgiu apenas em Porto Velho. O vereador segue uma onda nacional, iniciada após um vídeo viral de uma influenciadora mineira — Yasmim Becker — simular um atendimento hospitalar com um bebê reborn como parte de uma brincadeira para as redes sociais. A encenação se espalhou como fogo em palha seca, e bastou isso para desencadear uma avalanche de projetos semelhantes em assembleias legislativas e câmaras municipais pelo país afora.
É o efeito dominó do oportunismo legislativo: basta um meme viral para que surjam propostas em série, todas com o mesmo DNA — legislar sobre um problema que não existe. Se fosse só uma curiosidade inofensiva, passaria batido. Mas quando se gasta tempo, energia institucional e dinheiro do contribuinte para transformar pânico digital em prioridade política, o cenário deixa de ser apenas risível. É sintoma de uma crise de seriedade.
A justificativa de Breno Mendes é a proteção dos recursos públicos. Mas a contradição salta aos olhos: ao tentar impedir um gasto que, até onde se sabe, não existe na prática cotidiana da rede municipal, o vereador acaba justamente mobilizando estrutura legislativa para discutir… bonecas. É como instalar um semáforo no meio do deserto para evitar colisão entre camelos invisíveis.
Porto Velho precisa de vereadores que discutam a fila da regulação, a ausência de CAPS infantis, o transporte público, a falta de merenda, a crise do saneamento básico. Mas estamos discutindo brinquedos. E, pior: com dinheiro público.
O projeto do vereador Breno Mendes talvez diga mais sobre a política atual do que sobre as tais “reborn”. Afinal, num mundo real com problemas reais, criar leis para situações imaginárias é brincar de faz de conta — com o bolso do contribuinte.
Por: Redação | Rondônia Dinâmica